quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Um Sonho de Amor

Alguns filmes não têm a menor vergonha de ser exuberantes. Não temem fazer uso expressivo da mise-en-scène, nem têm receio de deixar a narrativa e a trama em segundo plano. Um Sonho de Amor é um desses filmes. Ainda que a condução da trama seja poderosa, é a encenação suntuosa e elegante que chama a atenção na produção do diretor Luca Guadagnino.

A trama do longa, na verdade, é até convencional. Não há nada de novo em contar a história de uma família tradicional, conservadora e riquíssima que vive de aparências. Mas o modo como Guadagnino embala a história e conduz o enredo faz a diferença. "Um Sonho de Amor" é, assim, um filme cheio de silêncios e emoções contidas que se revezam com uma trilha sonora poderosa e arroubos dramáticos.

Nesse vai e vem emocional, o longa se desenvolve em um crescendo de sentimentos acumulados que explode em um final surpreendente. Entre um silêncio aqui e um grito contido ali, Guadagnino capricha nos figurinos (indicados ao Oscar), na fotografia quase minimalista e na direção de arte que representam com precisão o universo de aparências e cinismo que rodeia a família Recchi.

No centro da trama está Emma (Tilda Swinton em versão elegante e italiana), uma "ex-russa" que perdeu a própria identidade ao se mudar para a Itália com o marido, herdeiro de uma família tradicional dona de um império de confecções. Entre jantares requintados, o marido que não a encanta mais e os problemas dos rebentos, ela se apaixona por um cozinheiro simples amigo de um de seus filhos.

As profusão de tramas paralelas adia ao máximo os confrontos delineados pelo enredo. Mas a mão firme de Guadagnino explora sem medidas as potencialidades visuais e narrativas do longa. Os enquadramentos focam sempre o elegante e o requintado. As elipses deixam subentendidas acontecimentos importantes. E o longa segue um ritmo estranho que se reveza entre o sensorial e o emocional.

Seguindo uma linha mais "estética", o filme entra no mesmo rol de produções como "Longes do Paraíso" e "Direito de Amor", por exemplo. As imagens e a forma como elas são mostradas significam muito mais do que o próprio desenrolar da história. O resultado nunca é menos do que arrebatador.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A Árvore da Vida

Não sei se sou a pessoa mais certa para falar sobre o novo trabalho de Terrence Malick (talvez não!), afinal, rolam boatos por aí que sou cético e cínico demais para me deixar envolver pelo filme. Mas vou falar sobre ele mesmo assim. Cineasta meio recluso e temporão, filmando em longos espaços de tempo, só assisti a um filme do moço, sua versão poética, lenta e contemplativa sobre a Segunda Guerra Mundial, Além da Linha Vermelha.

A Árvore da Vida segue um caminho semelhante a Além da Linha Vermelha. O enredo é mínimo e serve mais como desculpa para o cineasta desfilar belas imagens pela tela, estendendo a narrativa ao máximo graças a uma edição lenta e contemplativa, o que resulta em uma fotografia realmente linda (o que, de certa forma, salva o filme). Uma das diferenças entre os dois longas é a contextualização do primeiro, tendo a guerra como pano de fundo, e a especulação do segundo, que tem como mote questões mais existenciais.

Esse é um dos grandes poréns do filme. Cheio de significados e simbolismos, diluídos ao longo de mais de duas horas de duração editadas de forma não-linear e pouco convencional, A Árvore da Vida traz belas imagens, filmadas com propriedade por Malick, mas que dizem pouco ou quase nada a quem não se deixar levar pela viagem proposta pelo diretor.

Em linhas gerais, no meio de uma tentativa pálida de discutir sobre a "condição humana" (piada interna para iniciados no meu mundo), podemos acompanhar de forma bem lenta a história de um garoto que vive tenso sob as rédeas de um pai rígido (vivido por Brad Pitt). E ponto. O resto não é para ser entendido e sim sentido, dirão alguns.

Perdido entre o ceticismo e o cinismo, até admito que o problema do filme seja mais comigo do que com a produção em si, poética e filosófica demais para meu modo rasteiro de pensar e ver o mundo. Mas uma coisa é certa: se Malick quis representar o vazio existencial, ele conseguiu. A Árvore da Vida é chato como a vida.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Super 8

Existe uma diferença entre filmes de época e filmes que querem emular uma época. Super 8 tenta fazer parte dessa segunda categoria, buscando mimetizar uma aura e uma forma de se fazer cinema que já não existe mais. O cinema juvenil do final dos anos 70 e início da década de 80. Mais precisamente o cinema de Steven Spielberg.

A intenção é boa, mas JJ Abrams não é nenhum Spielberg, apesar de talentoso. E os anos 80 já estão longe e perderam espaço na memória para todo um repertório fílmico que ganhou destaque nas décadas de 90 e anos 2000. Fica difícil então se emular alguma coisa quando ela será inserida em um outro contexto.

Esse é o maior problema de "Super 8", misto de ficção científica e produção juvenil que remete de imediato a Goonies e E.T., mas não tenta esconder seu lado blockbuster arrasador tão comum ao novo século. A aura ingênua dos filmes de Spielberg do passado não faz muito sentido hoje, para um mundo totalmente inserido em uma era digital, tecnológica e, por que não, cínica. Ao mesmo tempo, a ação desenfreada e as cenas espetaculares, extremamente devedoras das novas tecnologias, não casam com a proposta nostálgica da produção (os efeitos podem até ser discretos, mas a cena da explosão do trem e o final épico não negam a origem contemporânea).

Perdido nesse limbo entre passado e presente, "Super 8" é divertido, é entretenimento interessante e bem realizado, mas não faz muita questão de esconder que é apenas uma versão anabolizada de "E.T.". O filme de JJ Abrams (sim, o cara responsável por Lost, Felicity e a repaginada de Jornada nas Estrelas) tenta conquistar o público saudosista de longas da época em que eram espectadores mais jovens e ingênuos, mas sem abrir mão, claro, do espectador do presente, resultando um tanto esquizofrênico em sua concepção.

Essa tentativa de volta ao passado (sim, porque JJ Abrams tenta, mas não consegue) acaba resultando fria e cerebral. Mesmo os conflitos entre os personagens (o pai e o filho que não se conectam após a morte da esposa/mãe; o rapaz meio nerd que se apaixona pela garota mais bonita da escola) acrescentam pouco à trama, e a emoção é calculada demais e se perde diante do hype criado em torno da produção.

O filme é tenso. Elle Fanning é linda, carismática e domina a tela. A fotografia e o desenho de produção acertam na mimêse que se propõem a fazer. Mas tem alguma coisa fora do lugar. Uma coisa que JJ Abrams não pode manipular: o tempo. Estamos em 2011, e o contexto atual é bem diferente do de 1982 (quando "E.T." foi lançado). Isso faz toda a diferença.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Melancolia

Poucas vezes o fim do mundo foi retratado de uma maneira tão bela quanto em Melancolia, novo filme do polêmico diretor dinamarquês Lars Von Trier. Fazendo uso do habitual talento para compor imagens e sons com extrema beleza e cheios de significação, o cineasta deixa de lado a narrativa dura e difícil do anterior "Anticristo" e aposta em uma condução mais leve e palatável.

Não que o diretor tenha aberto mão de sua proposta que visa sempre mexer e incomodar o espectador. Nada disso. Mas, diante de sua obra, Melancolia se junta a "Dançando no Escuro" como um trabalho mais acessível, ainda que nem todo mundo pareça embarcar na viagem sensorial e lírica do cineasta.

O filme começa com a já tradicional câmera lenta do diretor, com belos planos quase estáticos resumindo o que veremos pela frente. Sim, Von Trier não faz questão de deixar surpresas ao espectador e anuncia logo de cara o fatídico destino do planeta Terra em sua produção apocalíptica. O mais interessante é que, mesmo sabendo o destino dos personagens, "Melancolia" é tenso e prende a atenção.

Dividido em duas partes, como capítulos em um livro, outra característica comum ao formalismo de Von Trier, o filme foca suas lentes na relação entre duas irmãs, que guiam nosso olhar ao longo do filme. Primeiro, acompanhamos o drama de Justine, que recém-casada, não consegue disfarçar a insatisfação com a vida. Com a câmera na mão e cortes pouco convencionais, que dão um ritmo quebrado ao longa, "Melancolia" parece um primo distante de "O Casamento de Rachel", de Jonathan Demme.

A segunda parte, mais lenta e densa, deixa de lados a condição quase depressiva de Justine (muito bem defendida por uma Kirsten Dunst sem pudores) e assume o tom angustiado de Claire (Charlotte Gainsbourg). Casada e mãe de um filho pequeno, a personagem, antes sóbria e contida, mostra sua fragilidade e desespero ao lidar com a possibilidade do planeta Melancolia se chocar com a Terra.

Usando o fim do mundo como pano de fundo, "Melancolia" explora temas desde a acomodação diante do inevitável ao incômodo e instabilidade emocional que o fim anunciado pode causar. Metáforas estabelecidas, Von Trier brinda o público com um longa estética e formalmente maduro, compondo cenas de uma plasticidade impar e emocionante, ainda que diferente do registro mais melodramático ao qual estamos acostumados. Não deixa de ser um clichê dizer que o filme não é para todos os públicos, mas é o mais próximo que Von Trier pode chegar de uma plateia mais abrangente.