sábado, 31 de março de 2012

Cinema e música: dois lados de Madonna

Não deixa de ser surpreendente que Madonna ainda seja uma artista relevante nos dias de hoje. Em tempos de consumo rápido e fama passageira, a cantora, atriz, diretora e sei lá mais o quê ainda consegue se manter em voga, seja pelas polêmicas ou pelos trabalhos, em um mercado cada vez mais poluído de gente. Em tempos de Lady Gaga, Kety Perry, Rihanna e outras tantas musas pré-fabricadas que mudam de figurino, peruca e estilo musical conforme a maré, Madonna ainda é a rainha, mesmo com cerca de 30 anos de carreira nos ombros e já tendo passado dos 50 anos.
Nesse tempo, ela já fez de tudo um pouco e bebeu nas mais diversas referências musicais, ditando moda e virando modelo a ser seguido. Hoje, depois de tanto tempo na batalha, ela pode não mais inovar em postura, polêmicas ou tendências da música pop, mas ainda assim se mantém no topo. Seu mais recente trabalho, o 12º álbum da carreira, MDNA, é a prova disso. O disco pode não trazer a cantora ousada de Like a Prayer e Erotica, ou a experimental de Ray of Light, seus melhores discos, mas é um álbum coeso que tem seus momentos de brilho.

Se os primeiros singles, a equivocada “Give Me All Your Luvin´” e a genérica “Girl Gone Wild”, prenunciavam um tremendo fracasso, senão comercial, artístico, MDNA vazou, foi lançado e acalmou os fãs. O álbum tem suas fraquezas, quebras de ritmo e sonoridade genérica. Mas são os momentos brilhantes que ficam na cabeça. “Gang Bang”, por exemplo, entra direto na lista das melhores canções da artista. Com uma letra safada e batidas eletrônicas empolgantes, a música é a melhor do disco e perfeita para as pistas.

Na mesma linha de qualidade, “Turn Up the Radio” é uma música pop precisa e cheia de ginga, dessas poucas que elevam a alma e merecem ser cantadas junto. “I´m Addicted” é outra música de balada que funciona muito bem regada a tequilas e suores no meio da multidão. “Some Girls”, “Superstar” e “I Don´t Give A” mantém a pegada pop e são eficientes. 
Um dos clichês das cantoras pop é investir em baladinhas. Madonna não foge à regra e entrega a bela “I Fucked Up”. Outras baladas, “Falling Free” e “Masterpierce”, destoam do restante do álbum, mas são corretas.
Nesse mix de ótimas canções e outras nem tanto (“Beautiful Killer” parece uma releitura piorada de “Die Another Day”, “B-Day Song” é bobinha e passa batida e “Best Friend” dispara como a mais fraca do trabalho), MDNA ganha peso com letras como “I´m a Sninner”, que de certa forma sintetiza o talento da cantora para a confusão, ou com Nicki Minaj decretando em algum momento: “There's only one Queen, and that´s Madonna”.

W.E
Se na música, a cantora Madonna não precisa provar mais nada a ninguém há muito tempo, no cinema, a história é outra. A atriz Madonna nunca foi respeitada e suas incursões cinematográficas raramente foram bem sucedidas. O caminho da artista como diretora parece seguir o mesmo rumo. Depois de adiar por semanas uma ida ao cinema para conferir seu segundo trabalho (o primeiro, eu não vi) atrás das câmeras, o ambicioso W.E, a conclusão é que ela é uma diretora com muito a aprender.

O filme foi rechaçado, cuspido e mijado pela crítica sem pena. Existem razões para tal fúria. Madonna patina em insegurança e demonstra uma preocupação excessiva em dar um ar estético demais ao longa, deixando de lado a coerência narrativa. Imbuída em criar uma obra suntuosa, relevante e visualmente acachapante (os figurinos são deslumbrantes, a encenação é caprichada, os movimentos de câmera são elegantes e a trilha sonora bem utilizada), a diretora Madonna cria vários momentos de absoluto constrangimento típicos de alguém que não quer assumir a inexperiência.
W.E é um filme complexo, e esse talvez seja seu grande defeito. Madonna não sabe lidar com a nuanças da obra e, na maioria das vezes, soa arrogante e aposta pesado no clichê. A produção já começa errada ao se dividir em duas linhas temporais. Essas idas e vindas no tempo são amarradas por uma edição que quer a todo momento criar uma ligação entre elas, o que enfraquece o conjunto e vai deixando o filme cansativo à medida em que o recurso vai se esvaziando.

A diretora também era ao apostar em uma abordagem didática que explica da forma mais simples possível o que não é dito na tela. Enquanto a trama do passado (que relata o envolvimento do futuro rei do Reino Unido com uma plebeia americana e casada) é conta por meio de elipses e mais elipses que pouco contribuem para seu entendimento; no presente, temos uma história pouco convincente sobre uma mulher presa a uma casamento fracassado e que se vê envolvida com um segurança russo um tanto intelectual demais para ser convincente.
O resultado é um filme frouxo. A suntuosidade da encenação se perde diante da superficialidade narrativa. Os acertos estéticos são ofuscados pelas atuações fora de tom. Se no passado, temos uma Wallis (Andrea Riseborough) exagerada, com uma impostação teatral e forçada disparando frases feitas de modo afetado; no presente, o espectador se depara com uma Wally (Abbie Cornish) apagada e sem vida, com uma voz doce e postura insegura. Nenhuma das duas convence, e tudo a volta delas parece ser charmoso, elegante, luxuoso e sem propósito.

Mal comparando, o filme lembra um pouco a estreia do estilista Tom Ford na direção. A diferença é que todo o capricho visual de A Single Man é amparado por uma trama com estofo sobre perda e solidão. Já W.E aposta na beleza pela beleza. 
Se na música, Madonna vai muito bem, obrigada; no cinema, a artista ainda tem muito a aprender. MDNA e W.E são dois pontos distintos na carreira de uma artista multimídia que parece que ainda tem muito a dizer, mesmo que não seja da melhor maneira possível.

terça-feira, 20 de março de 2012

Música: The Ting Tings - Sounds from Nowheresville

Depois da empolgante estreia em We Started Nothing, a dupla britânica The Ting Tings está de volta com o aguardado Sounds from Nowheresville. Como todo segundo álbum, o lançamento vem cheio de expectativas e dúvidas. Será que o duo consegue emular a energia e repetir o feito de músicas vibrantes como “That´s Not My Name”, “Shut Up and Let Me Go” e “Great DJ”? Infelizmente, a resposta é não!

Quatro anos após o sucesso do debut do duo e quase dois depois do single “Hands”, dançante, mas aquém dos hits do primeiro álbum, Sounds from Nowheresville chega e muda um pouco a imagem do The Ting Tings. A primeira música do álbum já demonstra essa mudança.  “Silence” é mais melódica e depois de um refrão repetitivo ganha ares apoteóticos e uma versão mais soft da voz esganiçada da Katie White. Não deixa de ser uma escolha estranha para abrir o disco se lembrarmos de que o trabalho anterior já começava dizendo a que veio e colocando todo mundo para dançar com os sucessos “Great DJ” e “That´s Not My Name”.
“Hit Me Down Sonny” e o primeiro single “Hang it Up” ganham mais força, mas nunca chegam realmente a empolgar. “Give it Back” é divertida e apoiada numa base de palmas típica de grandes canções pop. Rápida e cheia de ritmo, é o primeiro grande momento de Sounds from Nowheresville. E um dos poucos também.

Apesar de algumas músicas trazerem a mistura de guitarras roqueiras com a batida eletrônica característica do primeiro trabalho, o novo disco do The Ting Tings é mais calmo e nunca decola, terminando até de modo anticlimático com uma sequência final de canções apagadas. “Day to Day” é uma baladinha preguiçosa. “Help” não funciona com sua melodia arrastada e interpretação desanimada de White. “In Your Life” fecha o álbum de forma decepcionante e deixa saudades do The Ting Tings do “passado”.

Entre uma canção boa ali, outra ruim acolá, a interessante “Guggenheim” e a mais eletrônica do álbum, “One by One”, com uma sonoridade típica do Ladytron, completam o recheio de um disco que não impressiona e passa longe da estreia promissora.

Dizer que é um trabalho mais maduro porque a banda baixa um pouco o tom e troca o som um tanto “absurdinho” por uma pegada mais leve seria clichê. Mas não deixa de ser uma surpresa, não muito agradável, o caminho escolhido pela dupla. A sonoridade mais irreverente é meio deixada de lado e aparece apenas tímida em canções como “Hang It Up”, “Hit Me Down Sonny” e “Soul Killing”. Sounds from Nowheresville repete assim o clichê do segundo álbum: expectativa demais, resultado de menos.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Cinema: Shame

Quando Sissy se lamenta desesperada a um irmão quase alheio a ela que eles não são pessoas más, fica claro o estado de destruição e dependência emocional dos dois personagens de Shame, filme de Steve McQueen que traz como tema central o vício em sexo. O tema em si já é tabu e difícil de ver no cinema. Fala-se em dependência a drogas, álcool, dinheiro, compras, tudo, mas pouco sobre sexo.

Ainda que tateando a questão sem muita força, McQueen toca no vespeiro e desnuda, física e mentalmente, Sissy e Brandon (Carey Mulligan e Michael Fassbender em interpretações comoventes). Ela é uma mulher instável, “promíscua” e carente de atenção. Ele se mostra frio, irritadiço e consumista de sexo, seja real ou virtual. Ambos perambulam sem rumo por uma Nova York solitária e cinzenta, sem brilho ou cor, propicia a encontros casuais e sem intimidade.
Shame não é um filme imune a críticas. Alguns apontam um olhar moralista de McQueen em relação a seus personagens, almas desgarradas e perdidas em um mundo pintado como sórdido e sem salvação. Outros reclamam do tom frio e distante que transforma a derrocada de Sissy e Brandon em uma narrativa intelectualizada, reacionária e visualmente bela.

A história de “Shame” nunca chega a ser uma história. É um fiapo de trama que mostra duas párias que se reencontram e, a partir daí, precisam lidar com a presença um do outro. Sissy quer ser amada e chora pela atenção do irmão. Ele não quer nada, apenas o sexo descartável e sem sentido do dia a dia. Ela chega e atrapalha tudo, ainda jogando na cara dele sua dependência sexual.
Nenhum dos dois é feliz e ambos sabem disso. A câmera de McQueen sabe captar essa tristeza, seja no olhar dos atores, seja no movimento de seus corpos. Brandon é um rico publicitário, se veste bem, mas é consumido por um vazio maior que ele próprio. Sissy não tem nada nem ninguém, é vulnerável e ganha a vida cantando “New York, New York” melancolicamente na noite. É um retrato belamente triste de dois seres humanos que encontramos hoje aos montes, ainda que disfarçados de “gente como a gente”.

Nunca sabemos a razão de tanta dor e o que leva esses personagens a comportamentos tão autodestrutivos e extremos. Esse é, na verdade, um dos acertos do filme de McQueen. Não importa o que os levou aquele ponto, mas como eles lidam com seus vazios. O longa deixa claro que eles não lidam muito bem. Sissy chora e diz que não é uma má pessoa. Brandon não dá a mínima e se entrega à lúxuria. Quando em meio a uma orgia ele chega ao gozo, não sabemos se sua cara é de alegria ou desespero.

A fuga desempenhada por Sissy e Brandon não é fácil de acompanhar. McQueen erra ao tentar ficar em cima do muro e acabar pendendo para o lado moralista. Acerta, porém, ao não dar um desfecho de redenção a eles, nem mesmo erotizar o sexo, sempre presente sem pudores ao longo do filme. As presenças magnéticas de Fassbender e Mulligan ajudam a compensar as falhas. Eles são a razão de ser de uma produção um tanto fria e destroem sem pena o coração do público.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Cinema: Oscar 2012

Sim, o Oscar já passou e ninguém mais se importa com ele. Mas eu pouco me importo se vocês ainda se importam ou não com a premiação. Só agora consegui terminar de ver os filmes indicados na categoria principal, então, antes tarde do nunca, eis aqui minha opinião sobre eles em ordem de preferência. Como nota de rodapé, só digo uma coisa: essa é uma das piores listas de filmes da existência, relação de longas mais fraca do que caldo de bila (ou bola de gude, a depender da região onde você more).

A Invenção de Hugo Cabret: Homenagem é uma das palavras mais banalizadas da existência terrestre, qualquer Zé Mané usa sem a menor parcimônia, mas aqui cabe usá-la. Mesmo com um tom um tanto didático e abordagem infantil, Martin Scorsese faz uma bela homenagem ao cinema e a George Méliès nesse filme visualmente arrojado e narrativamente emotivo. Só ganhou prêmios técnicos, o que só comprova que o Oscar não vale nada.
Meia Noite em Paris: Só gente muito sem noção para comprar a balela de que Woody Allen voltou. “Match Point” e “Vicky Cristina Barcelona” são o que então? Esse novo filme de Allen não tem nada de novo, e o cineasta já fez coisas parecidas e de melhor qualidade. Mas o longa tem seu charme, é fácil de assistir e traz uma bela Paris como pano de fundo. Seria melhor caso o público pseudointelectual não ficasse se contorcendo na poltrona a cada referência cult que o diretor joga na tela. Mas aí a culpa não é do filme, né!

O Artista: Outro longa bonitinho e ordinário, o filme só vale pela experiência de vermos um filme mudo na telona de um multiplex. No mais, é genérico, melodramático e repetitivo. Uma boa experiência para ser vista, ouvida e logo em seguida esquecida. O mérito do filme é se sobressair em meio a uma pilha de produções medíocres. E só. Será uma vergonha em um futuro próximo. Claro que ganhou todas as categorias principais, o que só confirma que prêmio mais coxinha não há.

Cavalo de Guerra: Steven Spielberg filma sua versão de “O Corcel Negro” com uma roupagem épica de plástico para público de novela do Manoel Carlos chorar. Genérico até a alma, o filme tenta emular um cinema clássico que se contorce de vergonha em algum lugar do passado. É um cinema de encher os olhos e de secar a alma. Só não é pior porque Spielberg sabe como filmar belas cenas em meio a uma narrativa esquemática e episódica. O final com fotografia de “nunca mais passarei fome!” é de doer.
Os Descendentes: Sério que Alexander Payne amadureceu como cineasta? Com isso aqui?!? Filme cheio de boas intenções que começa e termina sem dizer a que veio, a não ser que você considere a velha e batida lição de moral ambientalista e familiar como algo relevante. O longa passa diante dos olhos do espectador, os atores chamam a atenção e a trilha sonora havaiana incomoda e cansa. Bons tempos aqueles em que os roteiros de Payne tinham ironia ("Ruth em Questão", "Eleição", alguém?!). De boas intenções, o inferno cinematográfico está cheio.

Histórias Cruzadas: Hollywood já fez esse filme antes. Ele era bem melhor, mais honesto e se chamava “Uma História Americana”. Essa é uma versão para Disney ver da velha história de preconceito entre brancos e negros. O elenco se esforça. A história vai passando na sua frente. E a impressão que temos é que o filme é um puta pastel de vento: apetitoso em sua embalagem, completamente vazio por dentro. Vale pelo elenco tentando dar algum sabor a coisa toda.
A Árvore da Vida: Se vamos ser pretensiosos, vamos pelo menos filmar com propriedade, né! Terrence Malick joga na cara do público intelectualóide do Reserva Cultural o quanto ele é maconheiro nessa viagem etérea e sem sentido pelo cerne da “existência humana”. Em outras palavras: meu cu! Chato como a vida, o longa (realmente bem longo) só se salva por causa da fotografia dos deuses. O que é muito pouco, convenhamos!

O Homem que Mudou o Jogo: Brad Pitt merecia um Oscar só por prender a atenção nesse filme chato para caralho sobre um esporte que ninguém realmente entende: beisebol. Se eu não compreendo nem a lógica do que é um impedimento, o que dirá as regras desse jogo no qual homens pegam em um cassetete e tentam rebater uma bola sabe-se lá porque. De qualquer forma, Pitt entrega uma atuação envolvente e cheia de simpatia em um longa qualquer nota previsível e desprovido de alma. A quem interessar possa, além de ótimo, Brad Pitt está lindo como nunca.
Tão Forte e Tão Perto: Stephen Daldry joga na cara do espectador o quanto é manipulador e desonesto nesse arremedo de filme. Protagonizado por uma das crianças mais irritantes do cinema contemporâneo, que ainda narra tudo em off, Tão Forte e Tão Perto é tortura audiovisual. Simplista e simplório, o filme afunda a carreira de Daldry no poço da mediocridade. Só não é pior porque Sandra Bullock surge, vez ou outra, como um respiro de dignidade em meio a um caos narrativo de fazer chorar (no mal sentido).

Se o mundo fosse justo...
...ao invés de uma lista de filmes ora medíocres, ora equivocados, ora qualquer coisa, a Academia de Artes Cinematográficas teria ousado e aberto espaço para títulos como a versão cult (bem) melhorada de "60 Segundos" (Drive); o fim do mundo cabeça de Lars Von Trier (Melancolia); a volta em grande estilo de David Fincher ao universo dos serial killers (Os Homens que não Amavam as Mulheres); a atuação dilaceradora de Tilda Swinton em um filme igualmente pertubador (Precisamos Falar Sobre Kevin); o emocionante drama familiar em meios aos ringues de UFC (Guerreiro); e até o drama iraniano para Ocidente ver (A Separação). Mas de justo, o mundo não tem nada.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Cinema: O 3D e o neon

A Invenção de Hugo Cabret e Drive não poderiam ser filmes mais diferentes, mas têm algo em comum: ambos são experiências cinematográficas em sua essência. O longa de Martin Scorsese, o primeiro trabalho do cineasta usando o recurso 3D, utiliza a própria temática do cinema para desfilar belas imagens em uma profundidade de deixar o queixo do espectador caído.
Mas não é só o uso das três dimensões que torna "Hugo" um filme marcante. A trama que homenageia um dos cineastas pioneiros da sétima arte, George Méliès, funciona como o coração e alma de uma produção suntuosa que poderia muito bem estar mais preocupada com o visual do que com a narrativa. Scorsese, um fã declarado do cinema, dirige o filme com uma sensibilidade que impede que "Hugo" seja um mero espetáculo visual vazio.

A história do órfão que se vê às voltas com um George Méliès esquecido e amargurado é o ponto de partida para que o cinema faça reverência a si mesmo. As imagens construídas por Scorsese não são apenas belas per si, mas estão lá para encher a tela de significados, seja recriando cenas de um cinema esquecido, seja emocionando o espectador por meio de uma história singela e piegas.

Diferente de O Artista, que se sustenta apenas pela nostalgia fabricada de vermos algo que só temos como referência em livros, "Hugo" vai além e explora as próprias possibilidades (técnicas e narrativas) do cinema para fazer uma declaração de amor à sétima arte. “É um tanto didática”, dirão alguns. “É um tanto melodramática”, dirão outros. E é mesmo! Mas quem se importa?!

Scorsese exagera no didatismo, mas não podemos esquecer que “Hugo” é uma produção com temática infantil e pouca gente hoje sabe mesmo quem é George Méliès, então é natural que o diretor apele para uma abordagem mais simplista.

Quanto ao melodrama, o cineasta não economiza no uso da música nem das emoções exacerbadas, mas o faz com uma dignidade e honestidade cada vez mais raras. "Hugo" não tem vergonha de ser um cinema de cores e lágrimas.
Drive trabalha em outra chave, menos emocional e mais estilizada, mas também com certo olhar nostálgico e celebratório em relação ao cinema. Aqui um cinema de gênero repaginado em uma embalagem cult e que bebe na fonte dos filmes de ação B dos anos 80 para narrar a história do típico anti-herói hollywoodiano.
Ryan Gosling, que disputa com Michael Fassbender o posto de ator mais lindo e talentoso da atualidade, é um dublê sem nome que nas horas vagas participa de assaltos como motorista. Dirigir é sua vida, e ele faz isso com precisão.

A partir de uma premissa simples (o motorista se envolve em uma enrascada por causa de uma garota), o diretor Nicolas Winding Refn desfila um repertório de referências cinematográficas embaladas por uma estética neon e uma trilha sonora melancólica que dão um significado extra aos planos abertos e aéreos de uma Los Angeles silenciosa e solitária.

Refn não esconde as referências (Taxi Driver é apenas uma delas). O universo de Quentin Tarantino se faz presente na violência gráfica que domina o filme na sua segunda metade e mesmo no contexto de submundo em que passeiam os personagens. Mas Refn deixa a ironia e verborragia de Tarantino de lado e aposta em uma ambientação mais classuda e introspectiva.

A interpretação silenciosa de Gosling, a trilha matadora de Cliff Martinez, as tomadas em câmera lenta e a edição precisa do filme contribuem para uma aura enigmática que dá o tom do longa, um exercício de estilo que não nega seu verniz pretensioso.

Se Refn peca aqui e acolá na pretensão em que envolve o filme, isso é o de menos. O neon derivado dos filmes de Michael Mann, a jaqueta com um escorpião já clássica que acompanha o personagem e mesmo as movimentações de câmera e angulações compõem um longa que tem o visual como maior trunfo.

Parece pouco, mas não é.  Refn preocupa-se bem mais com a ambientação em si do que com o desenrolar da trama. E a abertura genial que estabelece de imediato o caráter do personagem de Gosling é devedora dessa visão um tanto cinéfila do diretor. Em meio a silêncios e neon, "Drive" é cinema puro.