sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Cinema: Balada de um Homem Comum

O novo filme dos irmãos Coen ("Fargo", "Onde Os Fracos não Têm Vez") está longe de ser arrebatador, assim como seu protagonista. Orgulhoso, egocêntrico e com cara de poucos amigos, Llewyn Davis tenta a todo custo vencer na vida e viver de sua paixão: a música. Mas a vida no Greenwich Village do início dos anos 1960 não é fácil, e Davis come o pão que ele mesmo amassou, amargando decepção atrás de decepção e pulando de sofá e sofá sem nenhuma perspectiva de futuro.

Balada de um Homem Comum não é um filme fácil de assistir. Não porque seja ruim, mas porque os irmãos Coen não oferecem saídas para seu protagonista. Não há redenção, não há catarse. Acompanhamos Davis deixar passar todas as oportunidades que aparecem na sua frente graças à sua arrogância. Para ele, a música é mais do que seu ganha pão, é a forma de arte que ele encontrou para se expressar.

Para representar essa figura quase antipática, azarada e depressiva, Ethan e Joen Coen acharam no corpo, alma, voz e olhos perdidos de Oscar Isaac o intérprete ideal. É sob os ombros do ator que recai grande parte da melancolia que emana do longa. Melancolia essa que ganha força com a bela fotografia (indicada ao Oscar), a direção de arte precisa da produção e a trilha sonora folk.

Os rostos conhecidos que entram e saem da vida de Davis ajudam o espectador a conhecer mais sobre o protagonista. É por meio dos diálogos e troca de olhares de Isaac com Carey Mulligan, Justin Timbarlake, John Goodman, Adam Driver (queridinho indie da série “Girls”), Robin Bartlett, Garrett Hedlund e até com o gato Ulysses que o espectador se conecta com Davis e tenta entendê-lo melhor.
Balada de um Homem Comum é um trabalho delicado dos cineastas. É um filme sobre erros e como eles afetam nossa trajetória. É um longa sobre teimosia e fracasso. Não é a toa que o esse belo trabalho tenha sido praticamente ignorado pelo Oscar 2014. Uma pena. A vida nem sempre é heroica ou redentora.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Cinema: Oscar 2014

O Oscar é um prêmio conservador, careta e quadradinho. Já deu provas disso inúmeras vezes ao longo dos seus mais de 80 anos. Então não é nenhuma surpresa, em um ano aclamado pela crítica como um dos melhores para o cinema recente, vermos tantas produções convencionais em busca da cobiçada estatueta. Pelo menos, o line-up desse ano não causa nenhum constrangimento, caso de anos anteriores, quando longas vergonhosos como “Indomável Sonhadora”, “Os Miseráveis”, “Tão Forte e Tão Perto” e “Um Sonho Possível” ou os chatíssimos “Lincoln” e “O Homem que Mudou o Jogo” concorreram ao prêmio.

Esse ano, depois de um bom par de anos sem conseguir ver todos os indicados a Melhor Filme nos cinemas antes da cerimônia (o último ano que consegui a proeza foi em 2011), estou em dia pelos menos com as categorias principais (filme, direção, todas as de atuação e roteiro, edição, fotografia, direção de arte). Eis então a lista dos indicados a Melhor Filme em minha ordem de preferência:

Ela – Pode não entrar para a História do Cinema, mas é o filme mais emocional da lista, o que mais me tocou e me marcou. De quebra, ainda é bem dirigido e escrito por Spike Jonze e traz ótimas interpretações de todo o elenco. Acrescente-se à fórmula uma bela direção de arte, fotografia, trilha sonora, trailer, pôster...

Capitão Phillips – Não existe melhor diretor para conduzir um exercício de tensão do que Paul Greengrass. Seguindo a linha dos ótimos Bournes e “Vôo 93”, o diretor se inspira em uma história real e cria um produto que vai bem além dos limites do cinema de ação. Tom Hanks ainda entrega a melhor atuação de sua carreira e é amparado por um ótimo elenco coadjuvante.

NebraskaAlexander Payne volta à boa e velha forma do início da carreira com esse ótimo quase road movie sobre a relação entre um pai já senil e seu filho mais novo. O filme ainda traz uma bela fotografia em p&B que emoldura esse retrato melancólico e agridoce de uma família nada perfeita. Na falta de Joaquin Phoenix e Tom Hanks na categoria de melhor ator, Bruce Dern merecia levar o prêmio para casa.

O Lobo de Wall Street – Apesar de ter três horas, Martin Scorsese segura muito bem esse longo exercício de estilo que segue a trajetória de um personagem amoral que ganha uma interpretação carismática de Leonardo DiCaprio. Scorsese começa a produção com o pé no acelerador, mas o filme perde um pouco do vigor na sua segunda metade, o que, talvez, justifique a ausência de Thelma Schoonmaker na categoria de edição.

Philomena – Filme absolutamente convencional que ganha pontos graças à direção econômica e honesta de Stephen Frears. De quebra, o filme traz uma interpretação comovente de Judi Dench. É filme para chorar e fazer você se sentir bem, mas pelo menos é muito bem feito dentro da sua proposta de simplicidade.

Gravidade – Um dos filmes mais supervalorizados do ano. Alfonso Cuáron, que já dirigiu longas bem superiores, como “E Tua Mãe Também” e “Filhos da Esperança”, ganhou respaldo e prêmios por esse achado técnico e estético que não alcança o mesmo resultado em termos narrativos. Ainda temos que aguentar Sandra Bullock fazendo caras e bocas de sofrimento em um papel bastante físico, mas sem grandes nuanças. George Clooney engraçadinho perdido no espaço também não ajuda.

Clube de Compras Dallas – Depois do interessante “Loucos de Amor” e do qualquer coisa “A Jovem Rainha Victoria”, Jean-Marc Vallée fica no meio termo nesse filme que não desenvolve todo seu potencial, mas se sustenta graças a duas grandes interpretações: Matthew McConaughey e Jared Leto em seus melhores momentos. Ainda que acerte ao fugir do melodrama barato, Vallée aposta demais no correto e entrega um longa que comove bem menos do que deveria.

12 Anos de Escravidão – Outro da série supervalorizado, o novo trabalho de Steve McQueen (“Hunger” e “Shame”) aposta na seriedade e no solene para narrar uma história de sobrevivência. Sem grande impacto audiovisual, a força do filme está toda no tema e nas atuações. É um bom filme, muito mais preocupado em passar uma mensagem e ser histórico do que propriamente ser cinema. É quase um “Lincoln” reloaded, porém bem melhor que o chatíssimo filme de Spielberg. Um dos grandes males do longa é que a edição nunca consegue nos fazer acreditar que se passaram 12 anos.

Trapaça -  Vai entender, mas o filme mais fraco da lista é também o com maior número de indicações (10). “Trapaça” não é ruim, mas está longe de ser bom. Com uma história sem pé nem cabeça, David O´Russell liga o piloto automático e finge ser Martin Scorsese nessa trama que começa e termina sem nunca diz a que veio. O elenco é bom e carismático, mas todos passam longe do memorável (Amy Adams é a melhor em cena, mas sua personagem é quase jogada pra escanteio do meio para o fim). No final das contas, é aquele típico cinema de plumas, paetês, perucas e figurinos que chamam mais atenção do que o filme em si. É quase a síntese do cinema comercial limpinho que o Oscar tanto curte. Se bobear, leva o prêmio para casa e se junta a outros tantos filmes okzinhos esquecíveis que já ganharam (“O Discurso do Rei”, “Argo”, “Uma Mente Brilhante”, “Shakespeare Apaixonado”, “O Paciente Inglês”... e a lista é longa).
 
 
 
 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Cinema: 12 Anos de Escravidão

A força de 12 Anos de Escravidão está toda em seu tema. A trajetória de Solomon Northup de homem livre a escravo é digna de nota e contém todos os elementos necessários para ser um bom filme (drama, tensão, horror, redenção) e levantar questões sobre a escravidão, questões que ecoam ainda hoje. Mas, de certa forma, o diretor Steve McQueen desperdiça a chance de transformar essa trajetória em grande cinema e se limita a fazer o básico.

Depois de dois filmes mais intimistas e ousados ("Hunger" e "Shame"), apoiados nos dramas de um único personagem, McQueen envereda aqui por um caminho mais épico e clássico. Por meio de uma narrativa bem quadrada e demarcada, acompanhamos o sofrimento de Solomon (ou Platt) em um tempo em que ser negro era pior do que ser nada. Na visão de McQueen, “12 Anos de Escravidão” tem seus heróis e vilões bem caracterizados e o bem e o mal nunca se confundem, o que acaba diminuindo um pouco a importância do longa (o único personagem que foge do esquema maniqueísta é o fazendeiro vivido por Benedict Cumberbatch).

Apesar de amparado por ótimos atores, Freeman (Paul Giamatti), Tibeats (Paul Dano), Edwin Epps (Michael Fassbender) e Mistress Epps (Sarah Paulson) são tão vilanescos quanto qualquer outro vilão de um filme de super-heróis. E ainda que traga uma encenação bem realista (diferente, por exemplo, de “Django Livre”, que trata de tema semelhante de forma mais carnavalesca), essa opção do cineasta por adotar extremos acaba por afastar o espectador da obra. As cenas de chicoteamento e maus tratos são fortes e incômodas, mas perdem impacto porque parecem apenas um percalço corriqueiro antes da redenção final em que o bem supera o mal.

Outro pecado de McQueen é, muitas vezes, usar o fato de Solomon ser culto, letrado e sofisticado como um fator que agrava mais ainda o cerceamento de sua liberdade. Solomon é o centro das atenções e o olhar do diretor é mais condescendente em relação ao personagem, sempre de olhos arregalados diante do horror que é obrigado a assistir, muitas vezes sem participar dele (mesmo enfrentando de frente, sem grandes consequências, seus algozes). É como se o sofrimento de Solomon (vivido pelo ótimo e intenso Chiwetel Ejiofor) fosse maior do que os outros negros que nunca tiveram acesso à liberdade.

O filme também perde impacto porque a questão temporal nunca fica clara. Quando Solomon é sequestrado, é casado e pai de duas crianças. Quando os reencontra, depois de todos os percalços de sua vida, aquelas duas crianças já são adultos e Solomon, avô. Mesmo o título entregando que foram 12 anos de cárcere, o longa não trabalha bem a passagem do tempo. Os personagens não envelhecem, e a decadência de Solomon é mais perceptível pelo olhar do que por seu físico.

A bela fotografia e a direção de arte realista ajudam a minimizar os problemas pontuais da produção. A trilha sonora é envolvente e funciona muito bem para demarcar os momentos mais dramáticos e/ou tensos. Mas, ainda que seja um longa importante e essencial por retratar de modo tão real um tema do passado que reverba até hoje, “12 anos de escravidão” perde força graças um tratamento audiovisual sóbrio e solene demais. No final das contas, o filme se destaca mais por relevar certa hipocria do público. “12 anos de escravidão” é aquele típico longa que deixa o público elitista, classe média, reacionário e homofóbico perplexo e horrorizado sem perceber que seu desprezo, maus tratos e preconceito são as chicotadas dos dias de hoje.  

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Cinema: Nebraska

Apesar de gostar muito de “Ruth em Questão, “Eleição” e “As Confissões de Schmidt”, os últimos trabalhos de Alexander Payne não me disseram muito. “Sideways” e “Os Descendentes” me parecem muito mais preocupados em agradar a um público maior do que propriamente desenvolver o potencial que o cineasta demonstrara no início da carreira. Nebraska, o novo trabalho do diretor, pode não ter a mesma pegada irônica dos primeiros filmes de Payne, mas acerta ao ser mais espontâneo e apostar na simplicidade e melancolia.

O longa é uma história de despedida. Uma carta de amor sobre a relação de um filho e um pai. Ainda que seja bem convencional em sua estrutura, Payne mergulha seu filme em preto & branco para estabelecer uma conexão entre um pai que já apresenta os primeiros sinais de caduquice e um filho que tenta de alguma forma dar um final digno a ele. Mas não é a bela fotografia P&B que emoldura o longa que emociona, e sim o texto preciso e a encenação poética de Payne e seu elenco.

De modo simples e com uma trama quase banal, Payne busca na identificação a chave para conquistar o espectador. Woody é um velho rabugento e que nunca parece ter sido um bom pai e marido. David é seu filho mais novo que reluta, mas leva seu pai em uma viagem para resgatar um prêmio de US$ 1 milhão que nem mesmo existe. Estabelecida a trama, partimos juntos com os dois em um típico road movie norte-americano, no qual saberemos mais sobre a história de Woody, sua esposa Kate e, por tabela, dos hábitos de uma típica família white trash do meio dos Estados Unidos.

O cenário pode ser diferente. O sotaque pode não ser o mesmo. As referências podem ser outras. Mas o comportamento familiar dos personagens aproxima o espectador de “Nebraska”. Woody é silencioso e nada carismático (mas ganha uma interpretação acolhedora de Bruce Dern). Kate fala pelos cotovelos e só reclama (mas é amparada pela simpática June Squibb). E David não deixa sua frustração abalar seu olhar mais complacente em relação ao mundo (Will Forte parece entender o personagem como ninguém). A partir dessa tríade de personagens, somos apresentados a outros tantos (invejosos, saudosos, melancólicos, tristes, resignados, sem perspectiva) e conquistados por eles (minha preferida é a ingênua e doce dona do jornal local).

Payne sabe que tem uma história triste em mãos, mas consegue se desviar de um caminho mais pesado e constrói um filme agridoce e cheio de humor. A melancolia do olhar do diretor vem sempre acompanhada de risos para evitar que a produção ganhe um ar solene. E a cada cena de partir o coração (uma em particular é quando Woody é zombado por todos em um bar), Payne deixa que a leveza de alguns diálogos certeiros e situações espirituosas dominem a tela. E a cena final é dirigida como um belo retrato em p&B de uma relação prestes a chegar ao fim.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Cinema: Ela

 
Existem filmes, filmes e filmes. Muitos você assiste e nada acontece. Bons ou ruins, não importa: eles não te dizem nada e mal ocupam espaço no seu repertório cinematográfico. Alguns entram com tudo para a História do Cinema, promovem revoluções estéticas, avanços narrativos, representam uma época e fazem parte do imaginário de cinéfilos ao redor do mundo por serem mais do que um filme. Já poucos dialogam diretamente com você, te tocam de um jeito que poucas coisas te tocam, te fazem pensar, chorar, sorrir, acreditar... Esse último tipo de filme é íntimo e pessoal. Algumas pessoas compartilham com você do mesmo sentimento em relação a eles. Outras não. Simples assim.

Antes mesmo de ver Her (o título em inglês causa um impacto muito maior em mim), eu já sabia do potencial que a produção tinha para entrar na minha lista de filmes íntimos e pessoais. Como não amar e se identificar com a história de um rapaz solitário, desiludido, de bigode e ar setentista que se apaixona por um sistema operacional de computador? Eu sabia que não tinha como resistir. “Her” já tinha me ganhado no pôster, no trailer e na trilha sonora, só faltava conquistar meu coração definitivamente enquanto filme.
Com expectativas mil, fui lá ver o filme e #morri. “Her” não é perfeito e tem seus problemas (a transformação final do sistema operacional é abrupta e sem sentido, por exemplo), mas é o trabalho mais honesto e melancólico de um diretor (Spike Jonze) mais conhecido por suas inovações narrativas do que propriamente por ser emocional. “Her” é um retrato melancólico daquilo que estamos nos tornando, quase como uma fotografia do nosso futuro, cada vez mais conectados com o mundo e desconectados dos outros e de nós mesmos (as cenas das pessoas nas ruas conversando com seus sistemas operacionais não diferem em nada das imagens das pessoas hoje em dia de olho na tela de seus smartphones).

Mesmo que parta de uma premissa um tanto absurda, como em seus trabalhos anteriores (principalmente “Quero Ser John Malkovich” e “Adaptação”), Jonze cria uma obra crível e que fala muito sobre nós sem ser necessariamente pretensiosa ou cabeça. Com um tom agridoce presente na trilha sonora (cortesia da banda indie Arcade Fire), na direção de arte e nos figurinos retrôs e no próprio comportamento dos personagens, Jonze estabelece aos poucos uma conexão com o espectador e nos transforma no Theodore (Joaquin Phoenix) que se apaixona por Samantha. Ele, um moço de olhos azuis límpidos e postura acanhada que ganha novo frescor de vida ao se apaixonar depois de uma grande desilusão amorosa. Ela, um sistema operacional sem nenhuma bagagem emocional que ganha contornos tridimensionais graças à voz de Scarlett Johansson.
Algumas sacadas do roteiro são geniais. Apesar de retraído, tímido e desiludido, Theodore trabalha em uma empresa de cartas personalizadas e as suas são as mais elogiadas e pessoais (e eu não quero viver em um mundo em que as pessoas tenham que contratar um estranho pra escrever uma carta para alguém que gostam). Apesar de causar estranhamento em algumas pessoas (principalmente na ex-mulher de Theodore), o relacionamento entre humanos e sistemas operacionais não é visto como algo bizarro pelo filme ou seus personagens; aliás, o longa deixa bem claro que, nesse futuro não tão distante, isso é extremamente comum.

Apoiado na cara triste de Phoenix, no carisma e simpatia de Amy Adams (como a vizinha amiga perdida de Theodore) e na voz deliciosa de Johansson, Jonze vai desenvolvendo a trama de “Her” e desfilando uma série de temas que abrem discussões e mais discussões. Samantha questiona sua identidade, se frustra com sua condição, mas se abre para um relacionamento desconhecido (como os replicantes de Blade Runner ou o androide-garoto de Inteligência Artificial, ela quer ser muito mais do que realmente é).
Theodore se perde entre o presente e o passado e repete seus padrões de comportamento mesmo tentando construir algo diferente (o diálogo em que o personagem diz que parece já ter sentido tudo e todo novo sentimento agora ser menor do que ele sentiu antes é de partir o coração). Ao redor dos dois, pessoas perdidas diante das novas possibilidades (Olivia Wilde tem uma participação pequena e marcante ao interpretar uma mulher bonita, simpática e totalmente insegura e desesperada por uma nova relação). É como se todos, mimados e carentes, tivessem desaprendido a se relacionar.

O caminho escolhido por Spike Jonze abre espaço para várias críticas: o ar indie-alternativo pode não agradar a todos e repetir estruturas, fórmulas e firulas do cinema, eeerrr, indie-alternativo; a esperteza do roteiro e a proposta moderninha podem ir de encontro à construção do filme enquanto mera história de amor; e o ritmo mais lento e preocupado com a apresentação e o desenho dos personagens não é muito bem-vindo em tempos de um cinema mais rápido e super editado. Mas Jonze parece saber muito bem o que está fazendo e, por meio de diálogos e ações dos personagens, conduz a produção com delicadeza e mistura ficção científica e romance com propriedade.
Se pararmos para pensar, a proposta de Spike Jonze pode não ser nova ou extraordinária. Nos anos 1980, um computador e Lenny von Dohlen já disputaram o amor de Virginia Madsen no esquecido Amores Eletrônicos. Bianca não é um sistema operacional, mas a premissa do emocionante A Garota Ideal tem lá suas semelhanças com "Her": Ryan Gosling se apaixona e mantém uma relação com uma boneca de plástico com o apoio de sua comunidade. E filmes sobre perdão e corações partidos existem aos montes. Mas poucos têm a força de um Lost In Translation ou de um Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. "Her" entra nessa (minha lista) com louvor.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Oscar: Pílulas


Philomena: Só fui ver “Philomena” porque o filme foi indicado ao Oscar. Gosto do diretor, acho a Judi Dench uma atriz simpática, mas a trama de uma velhinha que quer reencontrar o filho perdido há 50 anos não me dizia muito. O longa, no entanto, me conquistou com sua simplicidade e honestidade. Dirigido de forma quase banal por Stephen Frears, com um roteiro muito bem amarrado e uma atuação super carismática de Dench (amparada por um também simpático Steve Coogan), “Philomena” pode ser simples, mas conquista por abraçar sem reservas uma vertente emocional do cinema. É cinema para chorar e elevar a alma, mas muito bem feito e com direito a alfinetadas a Igreja Católica.

Trapaça: Não vi nada demais nesse filme que ganhou 10 indicações ao Oscar. Isso mesmo: 10 indicações (filme, diretor, roteiro, 4 indicações para os atores e muito mais) para um cinema de perucas, penteados, roupas extravagantes, cores berrantes e quase vazio de qualidades. Não me interpretem mal. “Trapaça” não é um filme ruim, mas nunca empolga e jamais decola. É tipo cinema caretinha, feito para divertir e não ofender ninguém. O roteiro é confuso, e a trama nunca parece se desenvolver. Os atores são bons, mas trabalham muito mais a caracterização do que os sentimentos das personagens (a exceção é Amy Adams, mas que fica prejudicada porque sua personagem muitas vezes assume uma função quase de bibelô na narrativa). David O´Russell, que sempre foi um bom diretor, prova que a cada trabalho parece mais perto de ser um operário padrão hollywoodiano e mais longe do cineasta original de “Três Reis”. Uma pena. Típico exemplo de muito, muito barulho por nada.